
A tarde caía rápida e fria e o vento na folhagem amarelada anunciava que a chegada do inverno estava próxima. Mateus era um garoto de dez anos e se acostumara às alegrias descontraídas de sua pequena família, composta pelos pais e uma irmã mais nova que com ele compartilhava das brincadeiras infantis. Mas a vida nem sempre nos reserva surpresas agradáveis. Era isso que Mateus descobrira naquele dia em que contemplava o corpo do pai, a quem tanto amava, estendido num caixão sobre a mesa. Todos enxugavam o pranto, mas ele tinha nos olhos grossas lágrimas que se recusavam a cair. Nunca havia experimentado um sentimento igual. Era como se algo dentro do seu coraçãozinho tivesse se partido em mil pedaços. O enterro foi consumado... A vida deveria seguir seu curso, mas em seu lar faltava alguém. Faltava a figura respeitável do pai amado. Sobrava um lugar à mesa. Sobrava o pedaço de frango predileto do papai. O pudim se demorava na geladeira. E Mateus pensava em como suportaria tanta amargura e saudade. No entanto, a volta às aulas, às brincadeiras com a irmã, os piqueniques, as tardes no parque, trouxeram novo alento ao seu coração juvenil. Um dia, a visita de uma amiga da família trouxe de volta as lembranças tristes. A mãe falava da falta que sentia do companheiro. Dizia que a saudade a acompanhava de perto e que era difícil a vida depois que o marido morrera. E Mateus, que não muito longe escutava a conversa das amigas, aproximou-se e disse com a segurança de quem tem certeza: - Mamãe, você disse que o papai morreu, mas eu asseguro que isso não é verdade. A mãe olhou-o com ternura e desejando consolá-lo, disse: - Sim, filho, o papai vive além da cortina que nos separa dele momentaneamente. - Não, mamãe! O papai vive e viverá para sempre. - Ele vive em mim através de tudo o que me ensinou... - Quando sou obediente, eu o sinto em minha intimidade porque foi ele quem me ensinou a obedecer. - Quando sou honesto, lembro-me das muitas vezes que ele enalteceu a honestidade. - Quando perdôo meus amigos, quase o ouço dizer: "filho, quem perdoa não adoece porque não guarda o lixo da mágoa na intimidade". - Quando sinto que a inveja deseja instalar-se em minha alma, lembro-me de ter ouvido de seus lábios: "a inveja é um ácido corrosivo que prejudica quem a alimenta." - E quando, por fim, meu coração se enche de saudade e penso que não mais a suportarei, uma suave brisa perpassa meu ser e ouço sua voz falando baixinho: "filho, eu estou ao seu lado, não duvide". - E é assim, mãezinha, que eu sei que papai não morreu. Sinto que ele continua vivo, não somente atrás da cortina que temporariamente nos separa, mas também através da herança de amor que legou a todos nós.
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